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A privatização da Deso - patrimônio sergipano

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Fonte: Expressão Sergipe/ Foto: Agência Sergipana de Notícias

 

 

Deso-696x461A relação do sergipano com a água transcende a relação do homem com a natureza. Na formação histórica do povo sergipano, água e seca não são apenas elementos da história, mas se misturam com o próprio povo. Esses personagens estão vivos no cordel, na música, no teatro popular e outras formas artísticas, como “Os Corumbas”, um clássico da literatura sergipana, que narra a luta de uma família de camponeses contra a seca e as tragédias sofridas quando se deslocam do interior para trabalhar nas fábricas de Aracaju.

Há menos de dois anos, em um discurso de inauguração de uma nova etapa da Orla do Bairro Industrial, o governador Jackson Barreto proclamou se orgulhar daquela obra realizada nas paisagens de “Os Corumbas”. Na semana passada, entretanto, o governador declarou em entrevista que estuda privatizar a Companhia de Saneamento de Sergipe – Deso, parecendo ter esquecido que, ainda hoje, o desfecho de tantas famílias sergipanas são os mesmíssimos de Sá Josefa, Geraldo e seus cinco filhos no livro citado.

A Deso é uma empresa de economia mista que tem como principal acionista o Governo do Estado de Sergipe, detendo 99% do total de ações. A companhia está prestes a completar 48 anos e é responsável pelos serviços de abastecimento de água, esgotos e obras de saneamento de 71 dos 75 municípios de Sergipe. Ao contrário da lógica do mercado, que visa sempre aumentar o lucro, a Deso funciona de acordo com a lógica pública, e busca universalizar o acesso a água, atendendo desde a capital até as regiões mais carentes de Sergipe, sem a cobrança de tarifas exorbitantes.

A história do Brasil é marcada por entregas suspeitas de riquezas públicas para as mãos de interesses particulares, em especial na década de 90, durante os governos neoliberais de FHC. Os processos de privatização ocorreram, não raro, após campanhas midiáticas de difamação das empresas públicas, ou após o sucateamento dessas através da falta inescrupulosa de investimentos públicos. O maior exemplo de privatização fraudulenta foi a Vale do Rio Doce, empresa que era estratégica para o desenvolvimento brasileiro, mas que foi vendida de forma obscura por R$3,3 bilhões, embora valesse cerca de R$100 bilhões. Um exemplo local é a Energipe, privatizada em 1997 por Albano Franco às vésperas da sua campanha para reeleição.

Com o golpe ocorrido em 2016, Michel Temer inaugurou uma nova ofensiva neoliberal sobre os recursos naturais e riquezas brasileiras, como usinas hidrelétricas, portos, minas e, principalmente, a entrega das reservas do pré-sal. A Deso, em Sergipe, também está na mira. Dias após o golpe de 2016, Jackson Barreto se insurgiu contra o que ele chamou de “quebra do processo democrático”, ironizou as nomeações feitas por Michel Temer de ministro acusados de corrupção questionando se o impeachment “não era combate à corrupção?” e disse temer retrocessos por não enxergar compromisso social naquele governo. Agora, em meio à crise econômica, dá sinais de pretender seguir obedientemente a cartilha golpista.

Ainda que mal atendidos por um poder público que não investe de forma adequada, os camponeses que lutam contra a seca no sertão e os descendentes de camponeses que foram obrigados a migrar para a cidade, morar nas periferias sem saneamento básico e sobreviver do trabalho precário, carregam em sua alma a compreensão da água como um direito pelo qual se deve lutar incansavelmente. Se perceberem o que está em jogo, a privatização da Deso e a entrega da água para interesses privados não ocorrerão sem que se enfrente o forte que há em cada sergipano.