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Intolerância aos intolerantes: 'Eles não passarão!' – Por Vagner Marques

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No tempo presente, em face da organização e expansão de células neonazistas, responsáveis por discursos de ódio, nos cabe o desafio de questionarmos sobre o limite da tolerância às ações e pensamentos intolerantes?

Por Vagner Marques*
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Na última segunda feira (7), o podcast Flow, apresentado por Igor e Bruno Aiub, conhecido como Monark, entrevistou os deputados federais, Kim Kataguiri (Podemos) e Tabata Amaral (PDT).

A entrevista chocou a sociedade quando Monark defendeu a legalidade de um partido nazista no Brasil ao afirmar: "eu acho que o nazista tinha que ter um partido nazista reconhecido pela lei [...] Se o cara quer ser antijudeu, eu acho que ele tem o direito de ser".

No mesmo programa, o deputado federal Kim Kataguiri afirmou que "a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo".

Em consequência dos absurdos, uma série de eventos ocorreram, entre eles, o desligamento de Monark do podcast, a perda de diversos patrocinadores, a ação de mais de trinta famosos que pediram a retirada de suas entrevistas do Flow e o pedido de apuração da Procuradoria-Geral da República de suposta apologia ao nazismo realizada por Monark e Kim Kataguiri.

No dia seguinte, ao analisar os impactos da entrevista do Flow, Adrilles Jorge, apresentador dos canais Jovem Pan foi demitido da emissora após realizar suposta saudação nazista no encerramento do programa Opinião, apresentado pela Jovem Pan News.

Monark, Adrilles Jorge, Kim Kataguire e outros, são apenas interfaces da corrosão da ideia de liberdade de expressão, expansão de células neonazistas no Brasil e a divulgação de discursos de ódio, ambos traduzem o contexto de expansão e atuação de grupos extremistas em nosso país.

A antropóloga Adriana Dias, pesquisadora dedicada a expansão de células neonazistas no Brasil, identificou o aumento de 270% nos grupos neonazistas espalhados pelo país nos últimos três anos.

A presença de ideias nazistas no Brasil remonta a década de 1930, a historiadora Ana Maria Diethich, no livro, Nazismo tropical? O partido nazista no Brasil, apresenta que durante dez anos, O Partido Nazista no Brasil, atuou de forma legal e teve o maior número de filiados nazistas fora da Alemanha, com 2.900 filiados e atuação em 17 estados.

No tempo presente, em face da organização e expansão de células neonazistas, responsáveis por discursos de ódio, nos cabe o desafio de questionarmos sobre o limite da tolerância às ações e pensamentos intolerantes?

Essa questão foi problematizada pelo filósofo liberal Karl Popper (1902-1994) no livro A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos, onde o autor problematiza o conceito denominado "Paradoxo da Tolerância".

Até onde os tolerantes devem tolerar os intolerantes? Essa questão problematizada por Popper são ancoradouros para refletirmos sobre a expansão de discursos de ódio, ações intolerantes e expansão de células neonazistas.

Protegidos pela ideia de liberdade de expressão, Monark, Kim Kataguiri, Adrilles Jorge e diversos outros atores destilam ódio nas redes sociais com a segurança de que o Estado tolera suas ações intolerantes.

Seria de fato uma interface da Democracia a existências de grupos extremistas? Teria legitimidade a atuação desses grupos? Seus pensamentos podem ser justificados pela liberdade de expressão, defendida no Artigo 5° da Constituição Federal.

A filósofa Márcia Tiburi afirmou que a "defender a existência democrática de um partido nazista é uma ação antidemocrática", portanto, a fala de Monark, na tentativa de se esconder na democracia, não faz outra coisa a não ser anular a própria democracia, nesse ponto, assistimos o paradoxo da tolerância.

Não há legitimidade alguma na defesa de partidos nazistas e/ou qualquer pensamento intolerante; a questão é como nos tornarmos intolerantes a tais intolerâncias?

A liberdade de expressão não pode ser vazia de significado, não pode valer tudo, pois dessa forma, terá um fim em si mesma, portanto, é urgente o fortalecimento das instituições democráticas e a significação efetiva da liberdade de expressão.

Monark, Kim e Adrilles Jorge são sintoma de uma sociedade pautada pelas redes sociais, onde a simplicidade discursiva é estratégica, pois nela, se escoa e se naturaliza a barbárie como suposta forma democrática.

Na ideia de tornar acessível conhecimentos diversos, há a redução de sentidos de tal modo que se naturaliza os discursos de ódio com a justificação de liberdade de expressão, instalação de partidos nazistas como interface democrática, opiniões racistas e homofóbicas como legalidade e a defesa de fetiches pedófilos na internet.

O espaço utilizado por Monark para manifestar pensamentos intolerantes é o mesmo que Adrilles Jorge, ao encerrar o programa Opinião da Jovem Pan News, ambos seguros pela defesa da ideia de liberdade de expressão, que se esvazia a tal ponto que aparentemente vale tudo, inclusive o tolerar o discurso do ex-Secretário Nacional de Cultura, Roberto Alvim, que se apropriou de elementos do discurso do Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha Nazista ao divulgar um concurso nacional de artes em janeiro de 2020.

Em julho de 2021, o presidente Jair Bolsonaro recebeu no Palácio do Planalto Beatrix von Storch, deputada alemã pelo partido de ultradireita, Alternativa para Alemanha (AfD). Von Storch é neta de Lutz Graf Schwer, que foi ministro das Finanças Adolf Hitler, responsável por confiscar os bens de judeus.

Em dezembro de 2015, o então deputado federal pelo Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro, pousou em foto ao lado de Marco Antônio Santos, sócia de Hitler que foi convidado por Carlos Bolsonaro para discursar no plenário da Câmara frente à Comissão de Direitos Humanos, durante a audiência pública convocada para debater o projeto Escola Sem Partido.

A foto ao lado do sósia de Hitler, o encontro de Bolsonaro com a neta de um ex-Ministro da Alemanha nazista e o consequente discurso de Roberto Alvim, apropriado de Goebbels dá sentido aquele ditado popular "me diga com quem tu andas que direi quem tu és".

O atual governo e seus representantes traduzem a ascensão da extrema direita no Brasil e a instrumentalização do Estado para tolerância às práticas intolerantes, como consequência, atores de diversos segmentos sociais manifestam os mais infames pensamentos com absoluta naturalização e defesa retórica de liberdade de expressão.

O desafio dos democratas é cercar de fato e de direito as ações intolerantes com a mesma intolerância. Nos cabe a tarefa de escrachar os intolerantes, denunciar os neonazistas, interromper os discursos de ódio e nos organizar em um coletivo forte e coeso de absoluta intolerância aos intolerantes. ELES NÃO PASSARÃO!

Instagram: @profvagnermarques


*Vagner Aparecido Marques é professor universitário, historiador, doutor em História Social e mestre em Ciências da Religião, ambos pela PUC-SP.




Fonte: Revista Fórum