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TJSE ressuscita adicional extinto desde 2005 para juízes e desembargadores

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Pleno do TJSE, por maioria, alegou não haver prescrição, diferente do tratamento dado a parte dos servidores no caso das URVs

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O Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) começou a desembolsar, desde a folha de pagamento do último mês de abril, R$ 239.937,29 a mais com 74 juízes e desembargadores do órgão. Motivo? O pagamento de adicional de tempo de serviço (ATS), ressuscitado por mera decisão administrativa do Pleno do órgão, no último dia 8 de março. Para o Sindijus, a medida descumpre a Constituição e comprova o mau tratamento dado aos servidores, quando se compara esse julgamento com o das URVs dos trabalhadores.

Enquanto aos magistrados foi assegurado um abono polpudo (com o pagamento de valores retroativos), mesmo o texto constitucional dizendo o contrário, para parte dos servidores efetivos do TJSE, da ativa e aposentados, foi negado o direito ao pagamento das perdas salarias relativas aos processos das chamadas Unidade Real de Valor (URVs), sob alegação de que o prazo havia prescrito.

Segundo levantamento do Sindijus no Portal da Transparência, o valor médio pago foi de R$ 3.242,40, mas alguns juízes chegaram a receber mais de R$ 6 mil. Mantido o mesmo custo mensal, o Judiciário sergipano poderá gastar quase R$ 3 milhões, em um ano, para beneficiar 74 magistrados.

O ATS era um direito dos juízes e desembargadores anterior a entrada em vigor do regime de subsídio, que garantia aos magistrados 5% de adicional, incidente sobre o vencimento, a cada cinco de efetivo exercício, podendo chegar a até 35%. Esse direito foi extinto em janeiro de 2005, quando o vencimento dos magistrados foi substituído pelo regime remuneratório do subsídio em parcela única, que havia sido estipulado oito anos antes, pela emenda constitucional n° 19/1998.

Diante dessa nova jurisprudência do Pleno do Tribunal de Justiça de Sergipe, a direção do Sindijus consultará a assessoria jurídica do sindicato para tratar da situação da parte dos credores das URVs que foi excluída pelo órgão, sob a alegação de prescrição.


Ação da Amase

O processo administrativo foi iniciado em fevereiro de 2021, através de petição da Associação dos Magistrados de Sergipe – Amase.

Em maio de 2022, o então presidente do TJSE, desembargador Edson Ulisses, negou administrativamente o requerimento, fundamentando que a questão não poderia ser debatida em processo administrativo e que não haveria nem legislação tratando sobre a questão e nem decisão judicial.

Em junho de 2022, a Amase apresentou recurso hierárquico ao Pleno do TJSE, o qual teve como relator o desembargador Cezário Siqueira Neto.

No seu voto, o desembargador Cezário Siqueira Neto negou o pedido da Amase, defendendo que o pedido não deveria ser atendido pelos seguintes problemas:

Inadequação da via eleita: o pedido da Amase discutia a constitucionalidade da emenda que criou o subsídio, o que deveria ser debatido em ação judicial e não em processo administrativo.
Prescrição: a alteração constitucional discutida no processo administrativo tem 18 anos e por isso estaria prescrita.
Negou o mérito: O pedido não seria proporcional, não representaria direito adquirido e nem teria havido redução dos subsídios.


Debate no Pleno

O tema começou a ser tratado no Pleno do TJSE do dia 27/10/2022, quando a primeiro preliminar foi julgada: inadequação do processo administrativo para tratar do assunto. Na questão, o relator Cezário Siqueira foi acompanhado pelos Desembargadores Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima e Gilson Félix dos Santos.

“Mais uma vez, que aqui se trata de processo administrativo, cujo princípio imperativo para a Administração Pública é o da legalidade estrita. Sendo assim, como já ressaltei anteriormente, descabe a discussão sobre a aplicação de Adicional de Tempo de Serviço, quando não existe no ordenamento jurídico atual a previsão de tal adicional. Tanto é assim, que há muito se luta no Congresso Nacional pela aprovação da PEC do chamado VTM, que nada mais é do que o adicional de tempo de serviço com outra denominação. Razão assistiu ao Presidente da Corte quando negou a pretensão da Amase, pois no Direito Administrativo, ao contrário do Direito Civil, só se pode praticar o ato que esteja previsto na lei”, destacou o relator.

O Desembargador Roberto Porto, porém, votou de modo diferente de Cezário, defendendo a viabilidade da discussão em processo administrativo e com ele concordaram os desembargadores Luiz Mendonça, Ruy Pinheiro, Iolanda Guimarães, Elvira Maria, Diógenes Barreto, Ana Lúcia e Ana Bernadete. A íntegra do voto divergente é encontrada aqui.


Prescrição

O tema voltou a ser discutido no Pleno do Tribunal de Justiça do dia 08 de março deste ano, quando foi realizado do debate e a votação dos desembargadores da preliminar de prescrição.

O relator Cezário Siqueira iniciou seu voto resumindo a petição: “o argumento da Associação é de que o marco inicial da prescrição não ocorreu com a edição e implementação da lei que instituiu o subsídio, mas da data do Ofício da Anamages que informou uma decisão administrativa do Tribunal do Rio de Janeiro em que se reconheceu o direito pleiteado, sob o manto de se tratar de novo entendimento da aplicação do ATS”.

Na sua argumentação, o desembargador relator ensina, com espanto, que um mero documento administrativo não é fonte do Direito.

“Não se tem notícia no ordenamento jurídico brasileiro que ofício seja fonte de direito capaz de normatizar situação concreta. Sabe-se que as Fontes de Direito, guardadas todas as classificações dos doutrinadores que não merecem detalhes no presente caso, são de forma geral, as leis, os costumes, doutrina, jurisprudência, princípios gerais do direito e fontes negociais (contratos)”.

Para finalizar o voto no tocante à prescrição, o relator expõe que “Não vislumbro, por mais boa intenção que se tenha, como ultrapassar a prejudicial de prescrição do fundo de direito, ainda mais quando o argumento para o presente pedido administrativo foi a inconstitucionalidade da lei que instituiu o subsídio. A meu ver, um entendimento adotado em âmbito administrativo de um Tribunal (no caso, Rio de Janeiro) não pode servir de marco temporal para contagem do prazo prescricional, ainda mais quando viabilizado por meio de ofício de Associação”.

Mesmo com a argumentação baseada na Constituição Federal, o voto do relator Cezário foi derrotado. Votou da mesma forma o desembargador Gilson Felix. O voto vencedor foi o do desembargador Diógenes Barreto, que fez uso da mesma tese do apresentada pela assessoria jurídica do Sindijus no processo das URVs relativo aos servidores excluídos, defendendo que “não corre o prazo de prescrição individual enquanto tramita ação coletiva”. Mas daquela vez essa tese foi derrotada.

Acompanharam a divergência de Diógenes os demais desembargadores participantes - Roberto Porto, Luiz Mendonça, Elvira Maria, Ana Bernadete, Ana Lúcia, Iolanda Guimarães e Ricardo Múcio.


Mérito

Na análise do mérito do pedido, ao negar o pedido formulado pela Associação dos Magistrados de Sergipe (Amase), o relator destacou uma lição primária do Direito Administrativo: não existe direito adquirido a regime jurídico. A argumentação sólida levou em consideração o que prescreve o Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 24:

I - O art. 37, XIV, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional 19/98, é autoaplicável;

II - Não há direito adquirido a regime jurídico, notadamente à forma de composição da remuneração de servidores públicos, observada a garantia da irredutibilidade de vencimentos.

Em continuidade, o relator do processo administrativo afastou a argumentação de redução salarial. “Vê-se, pois, que não houve redutibilidade de salário como alegado. Aliás, em que pese ser alegada, em nenhum momento a requerente apontou quais os magistrados que teriam sofrido a redutibilidade de salário e o quantum”, destacou.

Em seguida, o desembargador Cezário afirmou que, ao seu ver, se os quinquênios serviram para que se chegasse ao valor do subsídio de forma que não houvesse a redução da remuneração, não se pode agora alegar que os quinquênios se incorporaram ao patrimônio dos representados e devem continuar a ser pagos.

“Não houve, e é fato, nenhum decréscimo no valor nominal da remuneração de nenhum magistrado quando da implantação do regime de subsídio. Tanto é assim, que somente depois 18 anos da implantação do regime de subsídio é que em vários Estados se observou que supostamente tinha havido decréscimo nas remunerações dos antes perceptores dos quinquênios. Não é crível que àquela época ninguém tenha notado que sofreu decréscimo nominal em sua remuneração”.

Em outro momento do voto, o relator reforça a ausência de prejuízo “Para que não houvesse prejuízo àqueles que já tinham vasto tempo de magistratura e, sob a legislação anterior, faziam jus ao ATS – adicional de tempo de serviço, ou quinquênios, criou-se a fórmula em que o vencimento sofreu a adição do máximo de quinquênios permitido pela lei de regência: 35% (trinta e cinco por cento), chegando-se ao valor do subsídio”, asseverou o magistrado.

Cezário arremata o ponto respondendo a possibilidade de ter havido redução salarial. “Indaga-se: houve redução de remuneração? A resposta é não. O que aconteceu é que aqueles que já tinham atingido o máximo de quinquênios sob a legislação anterior tiveram elevação remuneratória em pequena monta. A vantagem foi para aqueles que tinham pouco tempo de magistratura”.

Também foi relembrado outro aspecto sobre o tema: o art. 37, XI da Constituição Federal é claro quando estabeleceu que a remuneração e o subsídio dos ocupantes dos cargos ali descritos não poderiam ultrapassar o subsídio do ministro do STF, computando-se na nova forma todas as vantagens remuneratórias. Ao fazê-lo de tal forma o legislador constituinte deixou claro que não haveria mais adicional por tempo de serviço.

Ao final da sessão, o Pleno do TJSE acolheu, com relação ao mérito do pedido, a tese divergente de Diógenes Barreto, de que o pagamento do ATS seria devido. Apenas o relator votou contra o pagamento. Votaram a favor Gilson Felix, Roberto Porto, Luiz Mendonça, Elvira Maria, Ana Bernadete, Ana Lúcia, Iolanda Guimarães e Ricardo Múcio. Veja o voto divergente aqui.