CNJ dá aval ao ‘olho grande’ da Justiça de Sergipe e permite dobrar o teto do funcionalismo

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Mais uma vez o Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) chama a atenção do Brasil negativamente. Pela primeira vez, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decide estabelecer limite para os penduricalhos que engordam contracheques de juízes e desembargadores nos tribunais. A decisão foi provocada logo pela ganância sem fim da cúpula do tribunal do menor estado do país, que vem sendo combatida na campanha do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário de Sergipe (Sindijus) que está promovendo o maior debate já visto, dentro e fora do estado, sobre os gastos de um tribunal.

O caso envolve uma decisão do corregedor nacional de Justiça, Mauro Campbell Marques, que autorizou os juízes sergipanos a turbinarem seus salários com penduricalhos em até R$ 46 mil reais. A decisão, na prática, permite que os magistrados dobrem seus vencimentos e recebam os subsídios a partir de R$ 35 mil e mais R$ 46 mil mensais extras – resultando em contracheques acima de R$ 80 mil por mês.

O teto para os penduricalhos foi estabelecido pelo CNJ ao analisar um pedido do TJSE para liberar o pagamento de adicional por tempo de serviço (ATS) retroativo aos magistrados do Estado.

Extinto há quase 20 anos e ressuscitado em 2022, o ATS (conhecido popularmente como quinquênio) permite um adicional automático de 5% nos vencimentos dos magistrados a cada cinco anos. Os tribunais vêm pagando o bônus com base em decisão do Conselho da Justiça Federal que restabeleceu o penduricalho no âmbito da Justiça Federal.

Em vários tribunais o acúmulo de penduricalhos garante a magistrados remunerações que resultam em supersalários. Isso ocorre porque, embora a Constituição Federal limite o salário do funcionalismo público ao que ganha um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), os juízes recebem benefícios que não entram nesse cálculo: verbas indenizatórias como auxílios para alimentação e saúde, indenização de férias, auxílio-folga, indenização de licença-prêmio, além do 13º salário.

O resultado disso é que somente em dezembro passado todos os magistrados do TJSE receberam mais que ministros do STF - 113 dos 157 juízes tiveram contracheques que variam entre R$ 100 e R$ 192 mil brutos, e um desembargador ganhou R$ 204 mil naquele mês.

Desde o ano passado, o Sindijus tem denunciado os impactos do ‘olho grande’ do Judiciário sergipano. Na mais recente manobra para ampliar os privilégios dos magistrados, o Pleno do TJSE aprovou, em 15 segundos, o pagamento retroativo a 2015 de um benefício extinto que pode custar R$ 140 milhões aos cofres do Estado.

“Nos últimos meses, os trabalhadores do TJSE, representados pelo Sindijus, têm liderado o maior debate público sobre as despesas de um órgão estadual do Judiciário no país. A atenção da mídia a essa medida ainda tímida do CNJ é fruto dessa atuação incisiva do sindicato, que colocou o TJSE no centro das discussões. É fundamental seguir nessa direção, pois o caminho para a contenção dos supersalários ainda é extenso e requer esforço contínuo”, pontua Jones Ribeiro, coordenador geral do Sindijus.

A principal diferença entre subsídio e vencimento, com relação aos agentes públicos, está nessa proibição de acréscimos salariais - gratificações, adicionais, abonos, prêmios, verbas de representação ou outra espécie remuneratória. Na prática, contudo, o que a decisão do CNJ autoriza com essa nova decisão é exatamente aquilo que a Constituição proíbe: os supersalários. Embora válida apenas para o TJSE, o Conselho Nacional de Justiça informou em nota à imprensa que a determinação deve “inspirar a adoção de providências idênticas por todos os tribunais”.

 

Decisão proíbe crédito suplementar. Quem pagará a conta?

A ordem do corregedor Campbell Marques adverte que o TJSE deve “abster-se de requerer suporte financeiro complementar para implementação da despesa pública”. Isso significa que, para custear esse novo volume de indenizações aos magistrados sergipanos, a gestão do TJSE deverá buscar recursos dentro do seu próprio orçamento, abastecido pelos repasses ordinários dos duodécimos pelo Poder Executivo. Contudo, não pode pedir créditos suplementares ao governo estadual.

Essa proibição confirma as preocupações que vêm sendo levantadas pelo Sindijus ao longo da atual campanha salarial, que combate o ‘olho grande’ da Justiça. A drenagem desses recursos para os bolsos dos juízes implicará, por consequência, na diminuição das verbas destinadas à manutenção dos serviços judiciários e no cumprimento dos direitos dos servidores, que já estão sendo violados atualmente, a exemplo da desigualdade no valor das vidas com a distorção no auxílio-saúde.

As decisões instantâneas que favorecem os magistrados de maneira proeminente no TJSE chamam a atenção quando comparadas ao rito aplicado a todos os outros servidores públicos no Brasil, que, em geral, têm imensas dificuldades pra terem seus direitos reconhecidos no âmbito do Judiciário. O advogado do Sindijus, Lucas Rios, aponta que, além de diversos fundamentos que não são aplicados nessas decisões que atendem aos interesses da magistratura – a exemplo da prescrição – ainda existe o regime de precatório, que na maioria das vezes não é cumprido devidamente, com atrasos de anos, e muitas vezes os beneficiários falecem sem receber seus créditos.

"Não podemos concordar com essa mistura de regimes jurídicos, de pegar apenas o bom de cada regime e afastar o ruim. Bom ou ruim, o regime da magistratura é de subsídio, não de vencimentos. O que a gente vê é que os direitos dos servidores em geral têm um tratamento e os da magistratura têm outro, isso tanto na seara administrativa quanto judicial", diz Lucas Rios.

O advogado também destaca que alguns "direitos" dos juízes estaduais estão sendo admitidos com fundamento na extensão de leis que regulamentam a Justiça Federal, sem passar pelo Legislativo sergipano. "Nos intriga profundamente a criação de vantagens por decisão administrativa com enorme repercussão financeira, mas sem suporte em lei. Às vezes a lei até existe, mas a regulamentação editada pelos Tribunais a distorce completamente", arremata Rios.

 

 

 

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