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“O Governo Mitidieri engana a população ao afirmar que não haverá aumento impactante nas tarifas da Deso após a privatização”, alerta Sílvio Sá

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Na próxima sexta-feira, dia 22, é lembrado o Dia Mundial da Água. Faz mais de 13 anos que a Organização das Nações Unidas aprovou a resolução nº 64/A que trata do assunto. Em resumo, ela diz: o acesso à água limpa e segura e o saneamento básico são direitos humanos fundamentais, essenciais para se gozar plenamente da vida e de todos os demais direitos.

Assim, a água não pode ser mercadoria, isto é, não pode ter dono e cobrar pelo acesso a esse direito humano essencial à vida. É obrigação do Estado garantir água potável de qualidade e saneamento para todas as pessoas. Entretanto, em Sergipe, o governador Fábio Mitidieri (PSD) quer privatizar a Companhia de Saneamento de Sergipe, a empresa pública que assegura água e saneamento.

A Mangue Jornalismo entrevistou Sílvio Sá, presidente do sindicato dos trabalhadores em saneamento básico do Estado de Sergipe (Sindisan). Ele, os demais dirigentes da entidade e várias outras organizações sociais estão se mobilizando para tentar impedir a privatização da Deso. Se a água passar “a ser explorada pela lógica privada, ou seja, para gerar lucro, com certeza vai excluir parcela significativa da população, especialmente os mais pobres e aqueles que habitam as periferias”, alerta Sílvio.

Ele diz que só poder “compreender esse movimento privatista do Governo Fábio Mitidieri por interesses eleitoreiros e como movimento do grande capital nacional e internacional de olho principalmente no controle sobre a nossa água e nos gordos lucros em obras e na cobrança da taxa no esgoto”.

Do ponto de vista dos trabalhadores, a privatização da Deso, para Sílvio Dá, será “uma tragédia! Será um cenário de demissão em massa, porque, pela proposta em andamento, a Deso se tornará deficitária”.



Leia a entrevista completa:

MANGUE JORNALISMO – A água potável de qualidade é um direito humano essencial e a ONU já definiu isso com clareza. Privatizar a Deso não pode comprometer esse direito humano, o que fere resolução das Nações Unidas?

SÍLVIO SÁ – Sim, sem dúvida! Principalmente para população carente e de baixa renda. A própria encíclica ‘Louvado Seja’ do Papa Francisco diz isso, que “O acesso à água potável e segura é um direito humano essencial, fundamental e universal porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos”. Sendo assim, no momento em que a água se torna commodities e passa a ser explorada pela lógica privada, ou seja, para gerar lucro, com certeza vai excluir parcela significativa da população, especialmente os mais pobres e aqueles que habitam as periferias, ferindo de morte esse direito enfatizado tanto pela ONU quanto pelo Papa Francisco.

MJ – Na prática, no bolso das pessoas, o que vai implicar a privatização da água e do saneamento, com a venda da Deso?

SS – Aumento substancial das tarifas de água, esgoto e de serviços, começando pela cobrança de impostos, como o ICMS. Importante ressaltar que o valor a ser pago pela empresa pela outorga dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário da Deso, assim como os montantes dos empréstimos para investimentos, serão recuperados pela empresa com os aumentos embutidos nas tarifas e nos serviços. É assim em todo lugar onde a privatização do saneamento aconteceu. O governo Mitidieri engana a população ao afirmar que não haverá aumento impactante nas tarifas da Deso após a privatização, após a concessão para a iniciativa privada. Vá em Alagoas ou no Rio de Janeiro, só para citar dois estados em que houve privatização, e vejam os aumentos absurdos nas contas dos usuários e nos serviços.

MJ – A Deso apresenta números positivos em termos de verbas e de serviços prestados, especialmente na capital. Então, quais as verdadeiras razões que estão por trás da venda da empresa?

SS – A Deso é superavitária e é a companhia que proporcionou a Sergipe figurar como o melhor estado do Nordeste no número de domicílios conectados a uma rede de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto, de acordo com os últimos dados do Censo do IBGE. E, em Aracaju, investimentos vultosos não serão necessários, porque em 5 anos a Deso já vai atingir 95% de cobertura de coleta e tratamento de esgoto sanitário e já temos mais de 99% de domicílios com água tratada. Aracaju representa quase 40% da receita total da Deso, que hoje gira em torno de 70 milhões por mês. Então, só podemos compreender esse movimento privatista do governo Fábio Mitidieri por interesses eleitoreiros e como movimento do grande capital nacional e internacional de olho principalmente no controle sobre a nossa água e nos gordos lucros em obras e na cobrança da taxa no esgoto. Por se tratar de um monopólio natural, livre de concorrência, a lucratividade do setor de saneamento para as empresas privadas e os donos do capital é altíssima.

MJ – Em síntese, quais os argumentos do governo para que a Deso seja vendida e o por que essas alegações são falsas?

SS – Primeiro, o governo se apega ao desgaste da Deso nas mídias, fruto de problemas pontuais de desabastecimento de água em algumas cidades e povoados, e que não representa nem 20% da área de cobertura de prestação de serviços da Deso no estado. Segundo, o governador alega que a estatal não tem R$ 6,2 bilhões de investimentos para cumprir as metas do Marco Regulatório de Saneamento, que são de atingir 99% da população abastecida com água tratada e 90% com coleta e tratamento de esgotamento sanitário, e para manter os investimentos no período da concessão, que são 35 anos. Mas se você fizer uma conta básica, dividindo esse montante pelo tempo da concessão, dá aproximadamente R$ 180 milhões por ano. Mesmo com a receita atual, a Deso poderia muito bem pagar esses investimentos, até porque, os recursos que as empresas privadas acessarão é do mesmo BNDES, que é estatal, e que a Deso pode também acessar, e com uma vantagem: por ser companhia estatal, a Deso pode acessar recursos a fundo perdido da União que poderiam reduzir bastante a necessidades desses empréstimos.

MJ – Um estudo crítico encomendado pelo governo e realizado pela Fundação Instituto de Administração (FIA), ligada à USP, prova que o preço unitário de R$ 2,05 para a cobrança do metro cúbico da água tratada é inviável. Isso, mais cedo ou mais tarde, deve obrigar o Governo do Estado tirar recursos de educação, saúde e mandar para a empresa privada da Deso. É isso?

SS – Sim, esse estudo também comprova que a Deso tem capacidade econômico-financeira para fazer captação de recursos para investimentos, sendo a décima terceira melhor companhia de saneamento do país. O estudo da FIA sinaliza o Preço Unitário (PU) do valor do metro cúbico da água tratada a R$ 2,30 a fim de manter o equilíbrio econômico-financeiro da Deso; mas para atrair o interesse do mercado, baixou-se esse valor para R$ 2,05, obrigado o aporte anual do cerca de 200 milhões do Estado para a Deso se manter, como aponta o próprio estudo. Sem isso, ela vai quebrar com certeza. Então, o Governo do Estado terá que tirar recursos de outras áreas também importantes para a população. Para se ter uma ideia, em Alagoas, quatro anos depois da privatização parcial, a Casal – estatal do saneamento do Estado – com um PU de R$ 2,25 já está com as contas no vermelho e o governador Paulo Dantas já solicitou estudo junto ao BNDES para privatizar o resto da empresa, e essa modelagem é a mesma que o governo Mitidieri quer implantar aqui em Sergipe.


MJ – Do ponto de vista dos trabalhadores da Deso, o que significa a privatização da empresa?

SS – Uma tragédia! Será um cenário de demissão em massa, porque, pela proposta em andamento, a Deso se tornará deficitária. Ficaremos apenas com a captação, tratamento da água e transporte, o sistema de distribuição que têm os custos mais elevados dentro do processo de abastecimento, e o quadro efetivo da Deso, pelo que o estudo do BNDES sinaliza que deverá ficar com aproximadamente 600 funcionários. Hoje somos 1.540, a grande maioria concursados que, teoricamente, teriam estabilidade funcional, mas com este cenário posto, o que se vê no seio da categoria é um momento de grande apreensão pelo fantasma da demissão.

MJ – A transformação de todas as microrregiões em uma só para vender a Deso como um bloco único não é ilegal? Não fere as municipalidades? O que foi feito juridicamente para reverter isso?

SS – Nós entendemos que o processo de construção da Lei Complementar nº 398/2023, que cria a Microrregião de Água e Esgoto de Sergipe (MAES), foi todo ele a toque de caixa, sem transparência, sem debate mais amplo com a população e atropelando os titulares constitucionais sobre as concessões do saneamento, os municípios. Nem prefeitos, nem vereadores foram ouvidos até a aprovação do projeto de lei na ALESE (Assembleia Legislativa). Sendo assim, o Sindisan acionou a justiça contra a realização de uma audiência pública de fachada, apenas para dar ares de legitimidade ao projeto do governo, mas a ação acabou indeferida por um juiz plantonista. Também entramos na Justiça contra o PL que foi aprovado na ALESE de forma açodada, mas novamente um juiz indeferiu. E de forma conjunta, Sindisan, FNU e o Observatório Nacional do Direito à Água e ao Saneamento, o ONDAS, entraram com um Mandado de Segurança para suspender o edital de consulta pública para a concessão dos serviços de saneamento de Sergipe à iniciativa privada. Infelizmente, o judiciário sergipano mais uma vez indeferiu o nosso pedido.

MJ – Em que fase está a privatização da Deso? A Lei Orgânica de Aracaju será alterada para permitir empresas privadas atuando na capital com água e saneamento, ou o Governo do Estado passará por cima da Prefeitura de Aracaju?

SS – O Governo do Estado está seguindo o cronograma estabelecido pelo estudo do BNDES, e a penúltima etapa foi o edital de consulta pública, que se encerrou no dia 18 de fevereiro. Acreditamos que ainda em março o governador deva lançar o edital do leilão da Deso, previsto para acontecer em 90 dias. De forma sorrateira, o governo Mitidieri, com a criação da MAES, anulou os contratos de programa entre a Deso e os Municípios, e os prefeitos acabaram por referendar essa aberração ao aprovarem a estrutura de governança do Colegiado da MAES, em reunião realizada no mês de fevereiro, no Sergipetec. Lamentavelmente, atropelaram o poder dos vereadores e não será necessário mais passar pelas câmaras municipais. Portanto, nem mesmo Aracaju, que tem em sua Lei Orgânica a proibição da prestação dos serviços em saneamento ser feita por empresa privada, os vereadores podem fazer algo.

MJ – O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) emitiu a Recomendação 103, de setembro do ano passado, que orienta promotores de Justiça (MP Estadual) e procuradores da República (MPF) a se inserirem nos debates sobre as “concessões” de serviços essenciais como água e saneamento. Isso já aconteceu? O sindicato já procurou os MPs?

SS – Estamos aguardando o lançamento do edital de concorrência pública da concessão do saneamento de Sergipe para, de posse desse documento definitivo, provocar o Tribunal de Contas do Estado, o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal para que possam tomar as devidas providências diante do que venha a prejudicar a população sergipana quanto à concessão em si, os prejuízos para o Estado e a correta aplicação dos recursos públicos.

MJ – Estamos próximos do Dia Mundial da Água. O que é preciso dizer alto, claro e em bom som para a população de Sergipe sobre a água e a privatização da Deso?

SS – É importante dizer à população que a água e o saneamento são direitos e não podem ser transformados em mercadoria, virar monopólio de empresa privada e estar a mercê da lógica do lucro para beneficiar uma minoria de privilegiados. A gente pode até viver sem carro, sem energia, mas sem água ninguém vive. Como deixar esse bem vital nas mãos do mercado? Com a privatização, a prestação dos serviços não vai melhorar e, pior, a conta de água e de esgoto vai aumentar, não tenham dúvida. O que a Deso precisa é de investimentos e de administração sem ingerência política para melhorar a qualidade dos serviços, ampliar o cadastro de famílias de baixa renda na tarifa social e seguir ampliando as redes de abastecimento e de coleta de esgotos, como já vem acontecendo. Ainda no Dia Mundial da Água, realizaremos a nossa V Caminhada da Água, defendendo a água como direito humano e contra a sua privatização, com os movimentos sociais e populares, sindicatos e demais entidades da sociedade civil. Seguiremos firmes na luta contra a privatização da água dos sergipanos, fazendo esse debate com a sociedade e enfrentando aqueles que acham que privatização resolve tudo. Não resolve, porque, se deixarmos que tudo seja privatizado, em breve seremos privados de tudo.

Cristian Góes, da Mangue Jornalismo