Tragédia do Rio Grande do Sul deveria ser alerta para Sergipe


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Será preciso uma tragédia com mortos, vítimas e desabrigados em meio aos nossos irmãos rio-grandenses que perderam tudo para que os governantes e a sociedade brasileira abram seus olhos e mudem de postura?

Mesmo com a solidariedade mútua que converge o povo brasileiro para o Rio Grande do Sul, assistimos aqui em Sergipe a maior tragédia ocorrida em território nacional, pontualmente. São quase 430 municípios atingidos, cidades inteiras devastadas, infraestruturas aniquiladas, rodovias destruídas e, principalmente, pessoas que perderam tudo ou morreram. Há uma reconstrução futura de anos pela frente, sendo que as buscas continuam neste instante e ainda não temos prognósticos de vítimas, dos danos materiais, mas principalmente, dos danos emocionais e de uma vida inteira.

Com olhos no futuro é preciso ser otimista e esperar que os nossos irmãos rio-grandenses irão se recuperar paulatinamente! Mas quais as lições que ficarão?

Passamos recentemente por uma pandemia e percebemos que os seres humanos não inverteram sua lógica de pensar! Nossos gestores públicos, em sua grande maioria, seguem sem uma visão holística de sociedade, desprovidos de sensibilidade e totalmente negligentes com as questões ambientais e de vida futura da população!

Dramatizados e solidários ao estado do Rio Grande do Sul temos vivenciado vários alagamentos em Sergipe, a exemplo de localidades em Aracaju e municípios como Maruim e Nossa Senhora do Socorro, entre outros.


NEGLIGÊNCIA DOS GESTORES EM SERGIPE?

Absurdamente não temos visto nenhuma ação do Governo do Estado de Sergipe e nem da Prefeitura Municipal de Aracaju! Pelo contrário! Assistimos nossos gestores sergipanos na contramão do desenvolvimento sustentável e de extrema negligência quanto às agressões ao meio ambiente natural que vem ocorrendo aos nossos olhos, principalmente, na atualidade.

No âmbito estadual, o Governo do Estado fica anunciando obras que não possuem nenhuma prioridade para o povo, a exemplo dos altos recursos que serão investidos nas pontes do Rio Poxim e Sergipe, além de memoriais e orlas que não se caracterizam por um cunho de desenvolvimento sustentável no que diz respeito ao meio ambiente natural. Por que não investir estes altos recursos em moradias que necessitam de melhoria habitacional, saneamento básico e infraestruturas adequadas ao meio ambiente?

Sem falar na irresponsabilidade de constituir um Conselho Estadual de Meio Ambiente sem um aparato científico e de viabilizar um grande investimento privado na Área de Proteção Ambiental junto a foz do Rio Vaza-Barris.

Também temos observado uma obscuridade nas compensações ambientais de EIA-RIMA de empreendimentos com impactos ambientais. É importante destacar o equívoco da privatização da DESO!

Um dos fatores que gerou os alagamentos em Porto Alegre foi justamente a extinção do DEP – Departamento de Drenagem e o sucateamento do DMAE – Departamento de Abastecimento de Água para a sua futura privatização. Em Porto Alegre, a CEEE – Empresa de Energia que foi privatizada é muito morosa para restabelecer as quedas de abastecimento de energia após a sua privatização.

Bom lembrar que países europeus que tiveram as suas companhias privatizadas estão voltando atrás. Trata-se de um claro conjunto de atitudes de desprezo ao meio ambiente sergipano.

Em Aracaju, a prefeitura segue em um liberalismo econômico privilegiando a iniciativa privada! O Município tem sido responsável pelo licenciamento de vários condomínios que estão aterrando lagoas na antiga Zona de Expansão, desmatamentos constantes e os históricos aterramentos de manguezais a exemplo do bairro Jabotiana.

Vale lembrar aqui que os vários milhões de reais que a prefeitura irá gastar para a dragagem do rio Poxim é decorrente do assoreamento do rio pela própria permissividade de aterramento de manguezais nas bordas do rio e da ocupação de grandes condomínios licenciados por esta mesma prefeitura. Que ironia, hem! Recursos públicos pela própria negligência.

Todo um cenário de irresponsabilidade ambiental desencadeado pela não revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Aracaju que admite uma permissividade de ocupação do solo indo de encontro ao meio ambiente natural. Uma verdadeira devastação ambiental que trará sérios futuros problemas para a nossa cidade.

Importante relembrar novamente as próprias obras da prefeitura sem o mínimo respeito à conservação ambiental e ao desenvolvimento sustentável evidenciadas na devastação da área de amortecimento e de supressão de mangabeiras na Reserva Extrativista das Mangabeiras no 17 de Março, no aterramento de mangue na Perimetral Norte e na supressão de quase 300 árvores da Hermes Fontes.

Recentemente foram anunciados investimentos de milhões na construção de uma nova avenida com canal de macrodrenagem na antiga Zona de Expansão Urbana. Trata-se de um projeto que vai em um caminho contrário às ecotécnicas e ao conceito de cidade esponja para a prevenção de alagamentos, sem contar que tudo indica que este canal irá virar esgotamento sanitário a céu aberto, “um grande esgoto”.

Na visão da transição ecológica e das relações harmônicas com a natureza o futuro crescimento da parcela sul de Aracaju que contempla 34% do território do município deveria ser pensado a partir de todo um arcabouço de técnicas ecologicamente harmonizadas com a natureza, preservando assim, as lagoas intermitentes de drenagem natural, as dunas, o manguezal e todo o ecossistema de fauna e flora. Não é isso que se vê! Assistimos condomínios aterrando lagoas, suprimindo dunas e manguezais.

Para completar esta tragédia anunciada a Prefeitura Municipal de Aracaju acabou de encaminhar para a Câmara dos Vereadores um Projeto de Lei que propõe o licenciamento urbano autodeclaratório que possibilita a aprovação quase que instantânea de empreendimentos, remetendo a responsabilidade para os técnicos responsáveis pelos projetos e não mais para a prefeitura.

É importante destacar que zelar, regrar e fiscalizar o uso e ocupação do solo urbano é dever e responsabilidade da prefeitura municipal. Isto não é desburocratizar e sim lavar as mãos e deixar a “boiada passar” dentro do liberalismo econômico.


E OS ALAGAMENTOS EM ARACAJU

No que diz respeito diretamente aos alagamentos ocorridos em Aracaju podemos destacar a falta de investimentos em drenagem urbana, na implantação de lagoas de retenção, da visão do conceito de cidade esponja e até mesmo infraestrutura de contenção para lidarmos com as cotas de maré alta. A própria permissividade do atual Plano Diretor vigente do ano de 2000, vem exercendo uma profunda impermeabilização do solo e permitindo a ocupação em áreas que não poderiam ser ocupadas.

Como lidar com uma prefeitura municipal e um governo estadual que não atendem aos requisitos ambientais mínimos de sustentabilidade e ao contrário, exercem um papel de ator coadjuvante neste cenário catastrófico da permissividade de empreendimentos que causarão sérios danos ao patrimônio ambiental e à sociedade sergipana?

Para onde vamos? Quem são os responsáveis? Como salvar Aracaju e Sergipe das próximas catástrofes ambientais que acontecerão no Brasil e em Sergipe?

Enfrentamos um momento de profundas mudanças climáticas que vêm sendo discutidas faz 3 décadas! A Eco-92 que construiu a Agenda 21 para o Desenvolvimento Sustentável, a Agenda 2030 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS, a Transição Ecológica que vem incidindo na pauta ambiental internacional, e todo o arcabouço de conceitos de cidade esponja, parques urbanos com infraestruturas verde e azul, entre outras tantas soluções e atitudes. São tantos os exemplos em países como Dinamarca, China, Japão, Colômbia, EUA entre outros no mundo inteiro que fica claro e evidente a negligência de nossos gestores públicos.

Toda esta tragédia anunciada e a clara negligência nos fazem lembrar do trecho da música da banda punk gaúcha, Os Replicantes, a respeito das usinas atômicas:

“Chernobyl não foi suficiente Será preciso um acidente em Angra”.

Será que iremos esperar uma tragédia em Sergipe para que nossos gestores invertam seu raciocínio e se desprendam dos interesses privados e pessoais?

Vamos nos perguntar aqui! Qual a principal causa da negligência ambiental em Sergipe?

  • Desconhecimento das medidas técnicas a serem tomadas;
  • Preguiça de não mudar a lógica de pensamento;
  • Interesses privados de quem subsidia suas campanhas eleitorais;
  • Ausência de técnicos com visão de desenvolvimento urbano e ambiental;

    Fica aqui a escolha da resposta certa para o público leitor da Mangue Jornalismo.

Realmente no cenário em que vivemos é preciso muita “dramaticidade” para chamarmos a atenção da sociedade!

Fica clarividente que se não emergir uma mudança de lógica de pensarmos nossas ocupações e a transição ecológica, realmente será preciso uma tragédia em Sergipe! Por fim, fica a pergunta: para onde iremos?


COMO REPENSAR SERGIPE E ARACAJU?

Para não ficarmos limitados a uma reflexão apenas de criticidade ficam aqui as nossas contribuições para invertermos as mudanças deste cenário:

Ações no âmbito do Governo do Estado de Sergipe:

– Constituir um Conselho de Meio Ambiente formado majoritariamente pela comunidade científica e profissionais que representam instituições ligadas à área ambiental;

– Colocar em Prática o Plano Estadual de Mudanças Climáticas;

– Ser rigoroso nos licenciamento junto a ADEMA;

– Fiscalizar e colocar em prática as compensações ambientais dos EIA-RIMA;

– Constituir uma equipe forte e com embasamento técnico nas áreas de arquitetura, urbanismo, engenharias, ecologia e economia;

– Inverter a lógica dos investimentos para obras prioritárias.

Exemplo claro dos investimentos não prioritários para o estado de Sergipe será a construção das duas novas pontes nos rios Poxim e Sergipe com investimentos que poderão chegar na ordem de R$ 1,5 bilhão e não possuem a mínima prioridade.

Ações no âmbito da Prefeitura Municipal de Aracaju:

– Revisão imediata e democrática do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano;

– Inclusão do mapeamento das áreas de risco e suscetíveis a alagamentos e deslizamentos no Plano Diretor;

– Inclusão da Política Municipal de Mudanças Climáticas no Plano Diretor;

– Revisão do Plano Local de Habitação de Interesse Social priorizando os mais de 120 assentamentos precários existentes em Aracaju e as moradias em áreas de risco;

– Primar por uma mobilidade urbana sustentável para reduzir a emissão de gases nocivos;

– Plano de Arborização e infraestrutura verdes e azul;

– Uma Secretaria Municipal de Meio Ambiente mais criteriosa nos licenciamentos;

– Inverter a lógica dos projetos e investimentos focando em um projeto de cidade com vistas a sustentabilidade ambiental e econômica;

– Desenvolver um plano de ocupação sustentável e ecológica para a zona sul de Aracaju;

– Ser criteriosa e não coadjuvantes dos interesses exclusivamente privados;

– Coleta efetiva e separação dos resíduos.

– Suspender o projeto de visão ultrapassada de macrodrenagem para a antiga Zona de Expansão;

– Investimentos em drenagem urbana na lógica de cidade esponja, maior taxa de permeabilidade do solo, proibição do aterramento de mangues e lagoas, e um projeto de engenharia de canais, lagoas de retenção e contenção das marés.

Sugerimos a prefeitura municipal rever seu futuros projetos a exemplo da Nova Avenida na antiga Zona de Expansão urbana pensando em um projeto que se adeque ao ecossistema de drenagem natural das lagoas intermitentes e implantando lagoas com ecotécnicas para o tratamento do esgoto sanitário, aliando a ocupação do solo com a uma morfologia rarefeita e edificações em altura para diminuir a taxa de ocupação.

Também é importante desistir do projeto da nova avenida junto a contenção de pedras no rio Sergipe na Coroa do Meio e introduzindo ali um grande Parque Linear apenas com uma pequena via de acesso local, calçadões para pedestres e ciclistas, decks para pesca e a intensificação de arborização e infraestrutura verde.

Criar um pulmão verde e um expressivo espaço de lazer para os aracajuanos. Lembrar que esta área é ribeirinha ao rio Sergipe, não sendo sustentável a criação de uma grande avenida e por se tratar de área plástica que poderá ter seu solo abalado por chuvas e pelas águas do Sergipe.

Não quero aqui pensar que todas estas são soluções mágicas e de fácil implantação! Importa mesmo é imprimirmos uma nova lógica ecológica de pensar as nossas cidades.

Este não é um texto apocalíptico que pretende suscitar futuras tragédias para o Estado de Sergipe e nem mesmo se debruçar apenas em críticas por críticas, apesar que este governo e a prefeitura municipal mereçam severas críticas negativas. Temos aqui o papel de mostrar para a sociedade sergipana os descaminhos e a contramão que seguem tanto o governo do estado, quanto a prefeitura municipal de Aracaju. Tenho certeza que se a capital sergipana e o Governo do Estado forem exemplo, os outros 74 municípios sergipanos terão uma luz a seguir.

Precisamos aqui aprender e apreender com nossos irmãos rio-grandenses e parar de seguir centrado nos interesses econômicos de pequenos grupos, “feudos” e oligarquias! Que possamos assim ter um Sergipe mais promissor e um futuro mais equânime com a natureza.

Muitas pessoas ainda não possuem a dimensão do quanto as águas destruíram o estado do Rio Grande do Sul! Das montanhas vindo abaixo na Serra Gaúcha, dos rios das Antas, Taquari e Jacuí, extinguindo cidades inteiras, do Lago Guaíba alagando milhares de moradias e da Lagoa dos Patos se diluindo dentre cidades. Assistir distante crianças, idosos, pessoas pobres e trabalhadoras, que perderam tudo e hoje passam frio, tomadas por uma imensa tristeza! Animais aflitos, corpos desaparecidos, pessoas falecidas. Uma tragédia imensurável para a vida humana.

A magnitude da tragédia nos faz chorar rios de lágrimas e nos toma por completo. Um instante quando o amor dos seres humanos ultrapassa os lados políticos, as riquezas a as pobrezas. A humanidade sendo humana a partir da morte. Não sabemos o que realmente esperar, mas a espera remete à esperança e à vida. Fazer O Bem E Não Olhar A Quem.

E como diz o grande pensador Leonardo Boff: Sairemos…diferentes do que quando entramos.

Ela nos obriga a pensar e mais do que pensar; ou seja, incorporar hábitos novos e estabelecer relações mais respeitosas e cuidadosas para com a natureza e também mais amigáveis para com a Casa Comum, a Terra.


Fonte: Mangue Jornalismo
Autor: Ricardo Mascarello, arquiteto e urbanista e conselheiro federal por Sergipe do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/Brasil)
Foto: Cristiano Navarro

 

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