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Nota de repúdio aos ataques direcionados aos analistas de serviço social e psicologia do TJSE

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O Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado de Sergipe (Sindijus) vem a público repudiar as manifestações do juiz José Amintas Noronha de Meneses Júnior, na reunião do Comitê Gestor Orçamentário de Gestão e Implementação da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição, ocorrida em 02 de fevereiro de 2024, disponíveis no SEI n° 0004996-40.2024.8.25.8825.

As referidas manifestações foram utilizadas como argumentação para aprovação de proposta, por maioria dos presentes no encontro, e que foi rejeitada pelos representantes da categoria, que sugere à Presidência do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) a ampliação da contratação de peritos externos, retirando atribuições que legalmente são de responsabilidade dos analistas concursados de serviço social e psicologia do órgão, nos termos da Lei Complementar Estadual n° 193/2010.

Durante a reunião citada, o magistrado afirmou que “99% dos laudos são simples”. Essa afirmação ultrapassa os limites do direito de opinião. Isso porque a avaliação dos deveres éticos e profissionais dos assistentes sociais e dos psicólogos, inerentes ao debate produtivista, só deve ocorrer por quem possuir capacidade técnica nas áreas ou por quem estiver legalmente habilitado para tanto, sempre com base em estudos ou dados estatísticos, o que não é o caso.

À medida que se tornou agudo o processo de precarização do serviço social e da psicologia no TJSE, principalmente a partir de 2021, sempre foi denunciado pelos analistas que as decisões das sucessivas gestões do Tribunal, quanto à metrificação do trabalho e imposição de metas, não se lastreavam em informações estatísticas sólidas. O máximo apresentado foi um apanhado da produção anterior dos profissionais, num cenário anterior à pandemia da Covid-19.

Também foi dito pelo juiz que “o perito externo tem melhor rendimento do que o servidor”. Essa afirmação também não corresponde aos fatos. Segundo a transparência do TJSE, tomando-se como exemplo o serviço social: em julho de 2023, os 62 peritos externos cadastrados pelo TJSE concluíram 99 perícias, enquanto os 40 analistas concluíram 220; em agosto de 2023, os peritos externos concluíram 40 perícias, ao passo que os analistas concluíram 278; em setembro, 36 perícias concluídas pelos peritos externos e 225 concluídas pelos analistas.

Outra afirmação do magistrado foi proferida ao justificar a retirada das atribuições dos analistas, passando-as aos peritos externos, “porque sai da folha”. A desresponsabilização financeira do TJSE pela prestação do serviço de justiça afeta o Poder Executivo, que se vê obrigado a, para além de realizar a transferência constitucional do duodécimo, custear a privatização ilegal do serviço social e da psicologia no órgão, com o pagamento dos peritos externos com base em convênio firmado entre o tesouro estadual e o Tribunal de Justiça.

Também foi recorrente na reunião a justificação da retirada de atribuições dos analistas de serviço social e da psicologia pela necessidade de separar o trabalho nas “políticas judiciárias” da produção de estudos sociais e psicológicos, através dos laudos. Essa ideia fere a vinculação aos editais dos concursos públicos de 2004, 2009 e 2014, que previam as atribuições dos analistas, inclusive nas causas de justiça gratuita que ora se quer transmitir aos peritos externos.

Além disso, a privatização das atribuições dos analistas judiciários através dos peritos externos nos casos de justiça gratuita, que já está em vigor, contraria a Lei Complementar Estadual nº 193/2010, que diz que as atribuições da carreira judiciária (de técnicos e analistas judiciários) não podem ser cometidas a terceirizados e nem a contratados.

Essa proposta de aprofundamento da privatização no TJSE pode vir a ser o desfecho do processo de precarização e extinção da função de analista judiciário no órgão, que teve início em junho de 2022, quando o TJSE publicou a Resolução nº 18/2022, que transmite aos peritos externos as atribuições dos analistas judiciários de serviço social e psicologia efetivos em 18 municípios do estado.

Os analistas, organizados no Sindijus, alertaram que as alternativas implantadas pelo TJSE para atender à crescente demanda social não estão em consonância com as legislações vigentes no país e denunciaram inúmeras vezes a sobrecarga de trabalho a que estão sendo submetidos. Nesse sentido, a contratação de peritos externos é uma confissão do Tribunal de Justiça, comprovando a necessidade de aumento do quadro de pessoal.

Em defesa do concurso público, os profissionais denunciaram que a extinção dos analistas de serviço social e psicologia tende a piorar a prestação do serviço jurisdicional à população sergipana, notadamente aos segmentos populacionais mais vulneráveis, implicados em situações sociais que envolvem abandono, violência e diversas violações de direitos.

O contingente populacional que demanda os serviços judiciários prestados pelos analistas de serviço social e psicologia é oriundo das camadas pauperizadas da sociedade, com parte significativa constituída por sujeitos com histórias de vida marcadas pela exclusão social ou acesso a políticas públicas precárias, no que diz respeito a necessidades elementares, como educação, saúde física e mental, segurança alimentar, habitação, saneamento básico, entre outras.

A dimensão ética que orienta as profissões do serviço social e da psicologia implica no desenvolvimento de ações profissionais que contribuam para a ampliação e garantia de direitos desta população, como também para a denúncia da espoliação social por ela vivenciada nas ações judiciais.

A elaboração de laudos sociais e psicológicos, peças importantes para o subsídio das decisões de magistrados/as e resultado de um processo complexo (os estudos sociais e psicológicos), exige dos profissionais capacidade técnica para ultrapassar as barreiras da aparência, possibilitar uma contraposição ao caráter controlador e disciplinador que as práticas judiciárias historicamente construíram, superando uma visão simplificada da realidade e vida social (sendo este um dos principais desafios para o exercício profissional dos assistentes sociais e psicólogos do Judiciário).

É fundamental que os referidos profissionais possuam as competências teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas para que o exercício profissional não tenha como centralidade a responsabilização dos indivíduos sobre suas escolhas e comportamentos, mas na perspectiva para a qual os valores, escolhas e comportamentos são construídos na singularidade e universalidade da história, em uma relação dialética.

Enfim, a construção dos laudos sociais e psicológicos exige dos profissionais um saber fundamentado, que demanda estudo, pesquisa, experiência e compreensão das implicações éticas existentes nesse fazer. Por meio de observações, entrevistas, pesquisa documental e bibliográfica, é construído um saber a respeito da população usuária dos serviços judiciários.

É preciso ter consciência da seriedade e das consequências de um trabalho no qual se constrói formas de conhecimento, de uma “verdade” a respeito das vidas da população que acessa a justiça gratuita, envolvidas em situações processuais sensíveis, atravessadas pela questão social, entre as quais: o acolhimento institucional de uma criança, a suspensão/destituição do poder familiar, a violência doméstica, a disputa pela guarda de filhos, medidas que envolvem o adolescente em conflito com a lei, habilitação para adoção.

À reflexão descrita, acrescenta-se ainda a necessidade de um espaço físico adequado para a realização dos atendimentos dos profissionais, que deve ser suficiente para as abordagens individuais ou coletivas e garantir a privacidade do usuário naquilo que for revelado durante o processo de intervenção.

Em quais condições materiais tem sido realizado o trabalho dos peritos externos? Os valores dos honorários são suficientes para garantir um exercício profissional qualificado ético e tecnicamente? O objetivo jurídico do sigilo profissional é a defesa e proteção da intimidade de quem é atendido/a pelo assistente social, sendo um direito e uma obrigação do/a profissional.

Outra questão a ser observada sobre a contratação de perito externo é a garantia do segredo de justiça para alguns processos como determinam as leis, a exemplo de criança e adolescente, previsto na Lei n° 8.069/1990 e, também, no artigo 155, do Código de Processo Civil.

É um dever ético dos analistas de serviço social e psicologia defender uma prática profissional que se mantenha direcionada para a garantia de direitos humanos e sociais, para efetiva proteção a crianças, adolescentes e famílias, para as quais o TJSE deve garantir uma prestação de serviço jurisdicionais de qualidade e facilitar o seu acesso à justiça gratuita.

Diante dessas informações, é possível compreender que a privatização das atribuições dos analistas precariza os serviços prestados e expõe importantes limitações das condições objetivas, técnicas e éticas para o trabalho dos peritos externos.